terça-feira, 26 de agosto de 2008

Loving you twice - Capítulo 36

Deixei que enterrassem o caixão, que o cobrissem com terra. Deixei que todos pousassem as suas flores e que fossem indo embora, um a um, dois a dois, a pouco e pouco.
Assim que o cemitério permaneceu na paz de quem jazia debaixo da terra, apenas restávamos eu e Tom.
- Preciso de falar com ele - disse num tom de voz baixo, não querendo parecer rude, fitando a campa do meu pai.
- Claro - respondeu Tom.
Aproximou-se, beijou-me a cabeça. Passou a mão pelos meus cabelos e disse:
- Espero por ti lá fora.
Acenti levemente.
Sentei-me no chão, junto à campa. Deixei que Tom fosse um pouco longe. Não queria que ninguém mais me ouvisse, excepto o meu pai.
Afastei as coroas e os ramos de flores de modo a poder ver a fotografia do meu pai na lápide.
- Que horror. Não há respeito. Não bastava te fecharem e te cobrirem de terra, ainda escondem a tua fotografia.
Fiz silêncio. Observei a fotografia. Um breve sorriso floresceu no canto da minha boca ao lembrar-me daquela fotografia. Havia sido eu a tirá-la e todos a adorávamos. Tanto ele, como a minha mãe, como eu.
A fotografia quase que só enquadrava a sua cara, o seu pescoço e um pouco do tronco. Mostrava o seu lindo sorriso. Aquele sorriso que eu dizia sempre que parecia de um actor de cinema. O meu pai tinha cabelos loiros escuros e uns olhos grandes e azuis fascinantes. Eram exactamente da cor do mar. Davam às vezes uns tons castanhos e outras uns tons esverdeados, mas mantendo sempre aquele azul. Tinha uma boa estrutura física. Era magro, mas tinha ombros largos e um corpo firme.
- Lembraste? - perguntei, ainda fitando a foto, sorrindo. - Fui eu que a tirei. Foi há uns bons dois ou três anos atrás. Naquela Primavera em que tiveste a bela ideia do piquenique e fomos atacados pelas formigas mutantes.
Ri com as minhas próprias palavras, com os pensamentos, as memórias do dia em que eu havia tirado a fotografia.
***ANALEPSE***
- Pai! As formigas estão a atacar a sande que está no pratooo!! - berrei.
- Calma, filha! São só umas formiguitas famintas. Temos mais sandes dentro do cesto. - afirmou o meu pai.
- Formiguitas? Devem ter uns dois metros! São formigas mutantes! - exclamei, levantando-me.
Os meus pais riram perante a minha acção. Eu sempre odiei insectos, bichos rastejantes, formigas e todo o tipo de animais com muitas patas.
*****************
- Apesar de saber que estás aqui, apesar de te sentir, eu vou ter saudades tuas. Sabes que nunca será a mesma coisa sem ti aqui.
O vento soprou. Uma brisa suave, leve, doce. Senti-a e encarei-a como se fosse o meu pai a afagar-me os cabelos.
- Olha aí, que me despenteias! - exclamei, rindo, pousando as mãos sobre o cabelo.
Eu dizia sempre isso quando ele passava as mãos pelo meu cabelo.
- Então...vamos falando, certo? É que tenho o Tom à minha espera ali à porta. Não queria deixá-lo à seca. E sabes bem que os rapazes conseguem ser mais impacientes que as raparigas... Tu que és homem sabes isso.
Ri.
- Até depois, pai.
Passei a mão pela lápide. A pedra era fria. Parecia-me tão cruel deixar o meu pai num sítio tão calmo, tão silêncioso. Ele adorava o quente, o calor das pessoas, o barulho, o movimento... Não pedras frias, nem sítios fechados, nem silêncio...
Senti uma brisa mais forte. O céu cinzento, desde manhã, permanecia. As nuvens iam e voltavam, encobrindo sempre o céu, tapando sempre o sol.
Levantei-me e caminhei com calma até à saída. Tom estava lá, encostado à parede com as costas e um pé. Fitava o chão, fitava o vazio, o nada. Atirava uma pedra ao ar com a mão e deixava-a cair de novo na palma, retraíndo os dedos para esta não cair. Parecia pensativo. Aproximei-me. Acordei-o da transe ao aproximar-me, pois Tom fitou-me.
- Já está - disse baixinho, quebrando o silêncio.
- És forte, Ni. Pareces tão na boa... - comentou Tom.
- Não é preciso ser forte. Basta saber que o meu pai se mantém aqui.
Sorriu-me levemente, um sorriso fechado, distraído. Atirou a pedra ao ar uma última vez e deixou-a cair. Fitou a pedra em todo o seu processo.
- Vamos para casa? - perguntou.
- Não quero ir. - respondi, cabisbaixa.
- Porquê?
- O ambiente em casa está pesado. Está lá a minha mãe e montes de outros familiares. Não quero ficar no meio daquela confusão.
- A tua mãe não precisa de ti?
- Não propriamente. Estão lá os meus tios, a quem ela é muito chegada. Os únicos que se manteram fiéis e se preocuparam sempre. Os únicos que acredito que derramaram verdadeiras lágrimas hoje.
- Porque o dizes?
- Sensações, Tom. Vamos dar uma volta.
Entrámos no carro de Tom.

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