segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Loving you twice - Capítulo 35

Mordi o lábio e fitei Simone com medo da sua resposta.
- A sério? - perguntou surpreendida.
- Sim - murmurei.
- Anda, Ni. Vamos para a escola. - disse Tom.
Levantei-me e aproximei-me dele. Pegou na mochila.
- Até logo, mamã - disse e beijou a testa da sua mãe, visto que ela era muito mais pequena que ele.
Colocou um braço em volta dos meus ombros e íamos sair quando...
- Esperem! - disse Bill, correndo na nossa direcção.
- Eu vou com vocês, se não for incómodo - disse Bill em tom de troça.
- Sim, Billy. Com esse cabelinho espetado, é fácil pegar fogo por causa da laca. Eu acendo e fazes de vela, sim? - gozou Tom.
Bill fez uma cara séria. Pegou na sua mochila.
- Até logo, mamã - disse e repetiu a atitude de Tom.
Bill olhou para o seu relógio. Abriu a boca de espanto.
- Que horror! São quase onze horas e ainda tenho de ir buscar a Vanessa! - exclamou.
- Quem é a Vanessa? - perguntou Simone.
- Bem - disse Bill envergonhado. - a Vanessa é a melhor amiga da Nicky e...é minha namorada.
- Então os meus filhos têm namorada e não me dizem nada? - perguntou Simone, colocando as mãos nas ancas, indignada.
- Desculpa, mamã! - disseram os gémeos ao mesmo tempo.
Saímos de casa, apressados e passámos pela casa da Vanessa, que já estava ao portão, à nossa espera. Ou pelo menos, à espera do Bill.
- Mana... - disse Vanessa e apertou-me, quase a chorar. - Nem sei que dizer sobre o teu pai...
- Não digas nada. Ele está comigo, mana. Eu sei que está. E eu estou bem. O meu pai está comigo e tenho o Tom, tenho-te a ti e tenho o Bill. Ainda tenho a minha mãe, ao menos isso. O meu pai não me deixou. Só não está aqui fisicamente.
- Ainda bem que estás a superar isto, mana.
(...)
- Alguém quer dar uma palavra sobre o David? - perguntou o padre.
Todos se mantiveram em silêncio. Todos excepto o meu tio que se aproximou do padre e ficou a fazer um discurso sobre o meu pai.
Eu mantive-me no meu silêncio, fitando o caixão, pronto para ser enterrado.
" Que caixa de madeira horripilante. Será apertada? Que pergunta estúpida...concentra-te. Não, já tentaste. Não consegues...o teu tio que fale. É preferível nem ouvires. Como é que não consegues chorar num momento como este? Não precisas de ser sempre forte, Nicky. E pára de falar contigo mesma na segunda pessoa! ".
Olhei para o Tom. Olhou-me, triste.
" Não há ninguém capaz de sorrir aqui? O meu pai odiava ver todos tristes. Será que não há respeito? Ele não nos deixou, idiotas! ".
Vanessa, com os ombros rodeados do braço de Bill, apenas me fitava, fazendo com que eu não chorasse. Mas eu não ia chorar. Claro que não.
" O meu pai lutou todo o tempo que pôde para que eu não chorasse nunca, e agora vou deitar todo o seu esforço a perder? Vou-lhe fazer esta desfeita? Ainda por cima ele continua aqui. Ninguém percebe? ".
Deitei uma olhada a cada pessoa naquela roda, cercando um buraco no chão, o caixão. Todos tinham um ramo ou uma coroa de flores na mão.
" Ao menos isso! Ele gostava de flores. Wait...não levam flores em todos os funerais? Pois, mas não interessa. Ao menos ele gostava de flores...ao menos alguma coisa ao gosto dele. ".
Reparei nalguns familiares que viviam noutras partes da Alemanha, outros de Portugal.
" É preciso alguém morrer para a família se juntar toda? Enquanto estiveram longe e todos vivinhos da Silva, ninguém se preocupou com uma visita nem pelo Natal. Agora choram como se vivessem connosco, como se conhecessem o meu pai como eu e a minha mãe. ".
As lágrimas das pessoas corriam-lhes pela cara e caíam no chão, molhando a terra, infiltrando-se e desaparecendo. Outras caíam nos típicos lenços de papel ou de pano. Caíam, líquidas, inúteis, sem sentimento. Ninguém viveu ao seu lado como eu e a minha mãe. Ninguém o conhecia como nós. Ninguém se preocupava com ele.
" E agora choram? ".
- Temos sempre medo que coisas destas aconteçam... - dizia o meu tio.
Aquele tio que eu não via há anos.
" Têm medo? Não parece. Ausentam-se quanto tempo lhes é permitido. Se nós não ligarmos, eles também não ligam. A distância não devia ser um problema, nem uma desculpa para não falarmos. Depois dizem que temiam isto... ".
As falas, as lágrimas, os discursos, as falsidades. Parecia-me tudo uma fachada. Ou será que era apenas eu, consumida no desgosto, revoltada com a realidade? Perdendo-me naquilo que o meu pai queria, tentando manter-me firme face à situação. Manter-me lá, mas manter-me digna, de queixo erguido. Manter-me rígida. Manter-me vivendo das vontades do meu pai.

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